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O CASO DO BEBÊ INTERSEXO EM ANGOLA: REFLEXÕES SOBRE DIREITOS HUMANOS E CUIDADOS DE SAÚDE

 🚨 Bebé intersexo em Angola: decisão médica de cirurgia precoce levanta questões de direitos humanos e práticas inclusivas. Vamos falar sobre isso?


Introdução- No dia 28 de setembro de 2021, uma reportagem da Rádio Nacional de Angola destacou o caso de um bebê nascido com características intersexo no Hospital Municipal da Quilenda, na província do Cuanza Sul. O caso foi descrito como uma "má formação congénita" pela equipa médica, que sugeriu uma cirurgia para alinhar o sexo da criança ao feminino. Este caso traz à tona questões importantes sobre direitos humanos, práticas médicas e percepções culturais relativamente às pessoas intersexo.

A Narração do Caso- De acordo com a reportagem, a criança nasceu com testículos, mas sem um pênis totalmente formado, apresentando um canal vaginal abaixo dos testículos. O diretor clínico do hospital, Rui Nelson, descreveu o caso como um exemplo de "masculinidade feminina" e indicou que a cirurgia para atribuir o sexo feminino é uma solução viável, citando a estrutura anatômica da criança como justificativa. Publicada no dia 28 de setembro de 2021, a matéria no site da Rádio Nacional de Angola utilizou o título "Bebê nasce com dois sexos na maternidade da Quilenda", que reflete igualmente uma linguagem simplista e estigmatizante, não contemplando a complexidade dos estados intersexo.

Análise Crítica

  1. Linguagem Utilizada A linguagem utilizada pelo repórter e pelo médico reflete uma visão patologizante das variações intersexo. Termos como "má formação congénita" e "estado normal de um sexo só" ignoram que as variações intersexo são estados naturais e não necessitam de correção automática. Além disso, o título "Bebê nasce com dois sexos" simplifica e distorce a realidade dos estados intersexo, contribuindo para a desinformação e estigma em torno do tema.

  2. Decisões Cirúrgicas Precoces O principal ponto de preocupação é a sugestão de uma cirurgia precoce. Intervenções cirúrgicas em crianças intersexo, especialmente sem uma necessidade médica urgente, são amplamente criticadas por violarem os direitos à integridade corporal e à autodeterminação. Além disso, tais procedimentos podem levar a consequências físicas e psicológicas graves a longo prazo.

  3. Acesso Limitado a Recursos Médicos A falta de acesso a equipamentos como ecografias foi mencionada como uma barreira para o diagnóstico pré-natal. Embora a infraestrutura de saúde seja um problema sério em muitas regiões, é essencial que o foco não esteja apenas em diagnósticos, mas também em cuidados holísticos (cuidados que tratam não apenas o estado físico da criança intersexo, mas também aspectos emocionais, sociais, psicológicos e culturais, envolvendo a família e respeitando os direitos e a dignidade da criança como um ser completo) e respeitosos com os direitos das crianças intersexo e suas famílias.

Implicações Culturais e Sociais A narrativa também reflete as influências culturais em torno do binarismo de género. A insistência em alinhar a criança a um sexo específico é indicativa de uma pressão para aderir a normas culturais e sociais que não reconhecem a diversidade das experiências humanas.

Recomendações e Caminhos a Seguir

  1. Educação e Sensibilização • Campanhas educativas são necessárias para desmistificar variações intersexo e promover uma compreensão baseada em direitos humanos. • Formação para profissionais de saúde sobre práticas respeitosas e informadas em relação às pessoas intersexo.

  2. Diretrizes Médicas Baseadas em Direitos Humanos • Proibir cirurgias não consensuais e não urgentes em crianças intersexo. • Garantir acompanhamento multidisciplinar com psicólogos, endocrinologistas e outros especialistas para apoiar as famílias.

  3. Apoio Institucional e Político • Implementar legislações que protejam os direitos das pessoas intersexo em Angola. • Investir na melhoria da infraestrutura de saúde e incluir a educação sobre intersexualidade em consultas pré-natais.

Conclusão O caso do bebê intersexo na Quilenda é um exemplo que evidencia a necessidade urgente de mudanças nas práticas médicas e nas percepções culturais relativamente às pessoas intersexo. Ao adotar uma abordagem baseada em direitos humanos, é possível garantir que as crianças cresçam num ambiente que respeite a sua dignidade, autonomia e diversidade.

O DHIA está disponível para colaborar com a mídia, o governo e outras partes interessadas para construir uma Angola inclusiva e respeitosa para as pessoas intersexo.

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Autor(es)

Equipa DHIA
Nosso contacto: dhiangolano@gmail.com



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