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INTERSEXUALIDADE EM ANGOLA: QUEBRANDO TABUS E PROMOVENDO DIREITOS HUMANOS

 A luta por atendimento digno: o que falta em Angola para apoiar pessoas intersexo?

Introdução

A reportagem do programa Fala Angola abordou um caso sensível envolvendo uma pessoa intersexo que busca auxílio médico e psicológico em Angola. Embora a iniciativa de dar visibilidade ao tema seja importante, lamentamos profundamente a forma inadequada e sensacionalista como o caso foi tratado. Esta análise visa identificar os erros na abordagem, as suas implicações para as pessoas intersexo e propor recomendações que estejam alinhadas com os princípios de dignidade, respeito e direitos humanos.


Uso de Terminologia Errada e Preconceituosa

OBS-o uso do termo Hermafrodita, como observam nesta publicação da TV ZIMBO, demonstra falta de atualização e sensibilidade relativamente às terminologias corretas. 

O uso reiterado do termo "hermafrodita" é cientificamente incorreto, desatualizado e estigmatizante. Este termo foi abandonado por profissionais de saúde e ativistas em prol do termo "intersexo", que reflete a diversidade das características sexuais de forma precisa e respeitosa.

Frases como "tem dois sexos" reforçam estereótipos que desumanizam e reduzem a pessoa intersexo a uma curiosidade biológica. Estas afirmações sensacionalistas ignoram a complexidade das características intersexo e perpetuam preconceitos.

Recomendação:

  • Utilizar terminologia adequada, como "pessoa intersexo", respeitando a identidade e a dignidade do indivíduo.
  • Incluir explicações breves, mas educativas, sobre o que significa intersexualidade, ajudando a combater desinformação.

Sensacionalismo e Desumanização

A reportagem tratou o caso como uma anomalia ou espetáculo, em vez de uma questão de direitos humanos. Expressões como "Já viste isto?" ou "uma autêntica mulher" reforçam a ideia de que pessoas intersexo são "anormais", gerando estigma social.

Além disso, expor em detalhes experiências traumáticas, como tentativas de automutilação e suicídio, sem tratar isso de forma sensível ou educativa, é irresponsável e pode causar revitimização.

Recomendação:

  • Evitar narrativas que transformem as vivências de pessoas intersexo em espetáculo. O foco deve ser em soluções para os desafios enfrentados.
  • Humanizar a pessoa intersexo, destacando a sua força e resiliência, e contextualizando os obstáculos estruturais que a levaram a essa situação.

Falta de Contexto Educativo

A reportagem falhou em explicar as causas e a diversidade da intersexualidade, optando por uma abordagem superficial e dramática. A ausência de referências a direitos humanos ou às necessidades específicas das pessoas intersexo contribuiu para reforçar preconceitos, em vez de promover compreensão.

Recomendação:

  • Incluir especialistas, ativistas ou organizações como a DHIA para oferecer informações claras e educativas sobre intersexualidade.
  • Contextualizar as necessidades das pessoas intersexo como parte de uma luta maior por inclusão e respeito aos direitos humanos.

Exposição Indevida e Insensível

Embora a visibilidade seja crucial, a exposição dos detalhes íntimos e do sofrimento da pessoa intersexo foi feita sem o devido cuidado ético. Isso pode resultar em discriminação, revitimização e isolamento social.

Recomendação:

  • Garantir que a exposição da história de qualquer pessoa intersexo seja consensual, respeitando sua privacidade.
  • Priorizar a dignidade do indivíduo, evitando discursos que gerem vergonha ou ridicularização.

Chamado por Soluções Estruturais

Apesar da abordagem sensacionalista, o apelo da pessoa intersexo por centros especializados para atendimento merece destaque. A falta de infraestrutura e suporte médico adequado é um problema grave que precisa ser tratado como prioridade em Angola.

Recomendação:

  • Pressionar o governo angolano para criar centros especializados para pessoas intersexo, com atendimento humanizado e multidisciplinar.
  • Promover formações para profissionais de saúde sobre como lidar com pessoas intersexo de forma ética, baseada em direitos humanos e informada por consensos globais.

Impacto na Comunidade Intersexo

A forma como a reportagem foi conduzida pode gerar impactos negativos:

  • Estigma Social: Frases e imagens que tratam a intersexualidade como "anormal" reforçam preconceitos.
  • Desinformação: A ausência de explicação sobre intersexualidade perpetua mitos e confusão na sociedade.
  • Risco de Invisibilidade: Relatar casos de forma inadequada pode levar outras pessoas intersexo a evitar se expor por medo de discriminação ou tratamento semelhante.

Conclusão

O DHIAngolano reconhece que trazer à tona questões relacionadas à intersexualidade é importante para quebrar tabus em Angola. No entanto, esta reportagem, ao optar por uma narrativa sensacionalista e estigmatizante, perdeu a oportunidade de educar e promover mudanças positivas.

Como organização, reafirmamos o nosso compromisso em trabalhar pela conscientização, pelo respeito e pela inclusão de pessoas intersexo em Angola. Recomendamos que os meios de comunicação tratem estas questões com a seriedade, ética e responsabilidade que elas merecem.


Apelo às Autoridades e Sociedade Civil

  1. Ao Governo:

    • Estabelecimento de centros especializados para o atendimento de pessoas intersexo.
    • Capacitação de profissionais de saúde para atender de forma humanizada e ética.
  2. À Mídia:

    • Promover reportagens educativas e responsáveis sobre intersexualidade, evitando sensacionalismo.
    • Consultar especialistas e organizações relevantes para uma abordagem ética e informada.
  3. À Sociedade Civil:

    • Combater preconceitos e apoiar pessoas intersexo nas suas lutas diárias.
    • Engajar-se em iniciativas de sensibilização e advocacia por direitos iguais.

O DHIA continua disponível para colaborar com a mídia, o governo e outras partes interessadas para construir uma Angola inclusiva e respeitosa para as pessoas intersexo.

Tipo

Comentário e recomendações

Autor(es)

Equipa DHIA
Nosso contacto: dhiangolano@gmail.com


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